Poesia e pintura - ambas Ultrarromanticas - relação intertextual


Ofélia (Arthur Rimbaud)

I.
Na onda calma e negra, entre os astros e os céus,
A branca Ofélia, como um grande lírio, passa;
Flutua lentamente e dorme em longos véus...
- Longe, no bosque, o caçador chamando a caça...

Mais de mil anos faz que a triste Ofélia abraça,
Fantasma branco, o rio negro em que perdura.
Mais de mil anos: toda noite ela repassa
À brisa a romança que em delírio murmura.

Beija-lhe o seio o vento e liberta em corola
Os grandes véus nas águas acalentadoras;
Sobre os seus ombros o salgueiro se desola,
Reclina-se o caniço à fronte sonhadora.

Nenúfares feridos suspiram por perto;
Às vezes ela acorda, em vidoeiro ocioso
Um ninho de onde vem tremor de um vôo incerto...
- De astros dourados desce um canto misterioso...

II.
Morreste sim, menina que um rio carrega,
Ó pálida Ofélia, tão bela como a neve!
- É que algum vento montanhês da Noruega
Contou que a liberdade é rude, mas é leve;

- É que um sopro, liberta a cabeleira presa,
Em teu espírito estranhos sons fez nascer
E em teu coração logo ouviste a Natureza
No queixume da árvore e do anoitecer.

- É que a voz do mar furioso, tumulto impávido,
Rasgou teu seio de menina, humano e doce;
- E em manhã de abril, certo cavalheiro pálido,
Um belo e pobre louco, aos teus pés ajoelhou-se.

E aí o céu, o amor: - que sonho, pobre louca!
Ante ele eras a neve, desmaiando à luz;
Visões estrangulavam-te a fala na boca,
O Infinito aterrava os teus olhos azuis!

III.
- E o Poeta diz que sob os raios das estrelas
Procuras toda noite as flores em delírio
E diz que viu na água, entre véus, a colhê-las
Vogar a branca Ofélia como um grande lírio.

Arthur Rimbaud(1854-1891), poeta inglês, poema traduzido por Jorge Wanderley.



Disponível em: http://www.poesias.omelhordaweb.com.br/pagina_textos_autor.php?cdPoesia=66253&cdEscritor=2715&rdBusca=&tbTxBusca=. Acesso em 20/07/2015.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog